Um burguês em teletrabalho
Todos as manhãs, enquanto bebo o meu café, tenho por hábito passar os olhos pelas “gordas” dos jornais e ler os artigos que me parecem mais interessantes. Magneticamente, a capa do I[gnóbil?] prendeu o meu olhar e não consegui avançar.
Fui ler a entrevista. Susana Peralta, economista, desenhou toda uma narrativa onde a “minoria privilegiada” se deve sentir culpado pelo seu “privilégio”.
Não nego que é um “privilégio” ter emprego hoje em dia. Também é “privilégio” trabalhar para uma empresa equipada para oferecer teletrabalho aos seus funcionários. Implica confiança, investimento e um cuidado incrível para com as necessidades de cada um. Mas ter um “privilégio” que advém do esforço da empresa (obrigado, Codacy) e do meu não me faz sentir minimanente culpado. Aliás, ter emprego/trabalho/rendimento não devia ser motivo de culpa, ou vergonha, para ninguém…
No entanto, há realmente coisas que me fazem sentir um “burguês em teletrabalho” como, por exemplo, a fatura da luz ter passado de 100€ para 190€. Ou ter a criança em casa, a dormir ao meu colo enquanto trabalho, e continuar pagar a creche para os funcionários não serem colocados em lay off. Pelo meio ainda vou pagando a renda da casa ao banco, sem moratórias. Estou a uma subscrição de netflix de ser um magnata, não é?
Também me sinto um burguês cada vez que olho para o recibo de ordenado e vejo aquele “privilégio” que, tal como o teletrabalho, se manteve pujante: a secção das “tributações”. Acredito que seja a preferida da Susana. No fundo é assim que nos vê: Como Tributos!
Tudo o que foi escrito até aqui foi apenas azedume meu, o importante vem agora: Num momento de extraordinário sacrífico por parte de todos os portugueses, é muito irresponsável entrar no discurso que vira portugueses contra portugueses. O discurso do “quem trabalha que pague a crise” gera um enorme sentimento de injustiça e leva também à fuga de talentos para o estrangeiro. Neste momento precisamos de todos, até da “minoria burguesa do teletrabalho”.